ARTIGO: Fala amendoeira! Hora de nos outonizar?

E a cidade do Rio de Janeiro continua linda! Por isso, a letra da música do cantor e compositor Gilberto Gil, Aquele Abraço, continua viva e muito atual porquanto traduz a beleza visual da cidade em si, com todas suas nuances (apesar do vultuoso número de favelas em todo seu entorno). A Praia de Copacabana, com sua enorme extensão, calçadão personalizado, arborização centenária, pontos de atendimentos pessoais bem distribuídos e localizados, suas duas pistas de rolamentos largas e bem-sinalizadas, barracas de praias com localizações estratégicas, compõem o que, com certeza, seja o lugar mais bonito do planeta terra.
E foi durante uma leve caminhada no calçadão daquela praia, em recente estada, que me deparei, nas proximidades do Posto de Atendimento 6, com uma bonita homenagem da cidade ao nosso poeta maior Carlos Drummond de Andrade. Sim, uma estátua em tamanho real do poeta, em bronze, sentado em um canto do banco, num convite a que o turista lhe faça companhia por algum tempo. Não hesitei. Sentei-me ao seu lado, tirei a foto padrão, como todo turista.
A seguir, passei a observar o ambiente, as árvores verdes existentes, e me auto perguntei: qual poderia ser, dentre aquelas milhares de janelas, a que o poeta teria aberto para contemplar, em um dia de mês de março, no início do outono, e, com alta sensibilidade, após ver um céu límpido, se deter em um conjunto de árvores todas muito verdes, com exceção de uma amendoeira, que já mostrava algumas folhas amarelas e outras já estriadas de vermelho numa gradação fantasista que chegava mesmo até o marrom, como narra o poeta, no poema: “FALA, AMENDOEIRA”?.
Após os devaneios, fui para o real.
A resposta vem da sensibilidade do poeta, utilizando de prosopopeia. Então, a amendoeira falou bonito:
“Não vês? Começou a outonear. É 21 de março, data em que as folhinhas assinalam o equinócio do outono. Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.”
O poeta insiste: E vais outoneando sozinha?
“Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação da primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno”.
O diálogo continua até uma conclusão final:
”Quero apenas que te outonize com paciência e doçura... As folhas caem, é certo, e os cabelos também... Outoniza com dignidade, meu velho”. (Sugiro a leitura completa do poema).
Na verdade, Carlos Drummond de Andrade, nosso poeta maior, no belíssimo poema “FALA, AMENDOEIRA”, nos conduz a uma reflexão sobre como renovar nossa vida, conceitos e esperanças, seguindo o exemplo da amendoeira que se antecipou às demais árvores na renovação, deixando cair as folhas velhas e, com isto, preparando para o inverno que logo se aproxima e receber vida nova na primavera. É o fluxo da vida, por excelência. Obrigado, Drummond!
Neste contexto proponho uma reflexão: que abramos a janela dos nossos corações e que, além de vermos e contemplarmos as belezas naturais à nossa frente, em cada lugar e no seu tempo certo, possamos enxergar, também, o que é invisível aos nossos olhos. E, ao olhar para dentro de nós e enxergarmos nosso potencial, agradecermos ao Criador pela dádiva da vida a cada momento para que sirvamos o próximo em profundidade.
Aí, sim, será a melhor maneira de nos OUTONIZAR.
Estejam todos convidados!
Moacir Melo