
Trump vs. Harvard: uma batalha pelo futuro das universidades
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusou nesta quarta-feira (16) a Universidade Harvard de ter “perdido o rumo” e de contratar “idiotas e radicais da esquerda” para seu corpo docente.
Trump intensificou o confronto com a universidade, a única até agora a rejeitar as medidas impostas pela Casa Branca. Entre essas medidas está a exigência de abrir mão de políticas de cotas, o que Harvard se recusa a fazer.
Recentemente, na segunda-feira (14), Harvard se tornou a primeira universidade a desafiar abertamente o governo. Como resposta, Trump ameaçou cortar os repasses federais, retirar a isenção fiscal da instituição e classificá-la como uma entidade política.
A disputa se configura como um embate direto entre a universidade mais prestigiada dos Estados Unidos e um governo determinado a remodelar o ensino superior.
O poder de Harvard e seu impacto na resistência
Nenhuma universidade está mais preparada para resistir do que Harvard, que possui um fundo patrimonial de US$ 53 bilhões (R$ 312 bilhões). Esse montante faz dela a instituição mais rica do país. Ainda assim, como outras grandes universidades, Harvard depende dos repasses do governo federal para manter projetos de pesquisa científica e médica. Dessa forma, um corte de verbas pode gerar impactos relevantes.
A postura firme da universidade já começa a repercutir em outras instituições. Por exemplo, a reitora interina da Universidade Columbia, Claire Shipman, inicialmente havia aceitado algumas exigências do governo. No entanto, após o posicionamento de Harvard, ela emitiu um novo comunicado afirmando que certas demandas “não são passíveis de negociação”. Além disso, demonstrou apoio à recusa da universidade rival, o que reforça o início de um movimento coletivo.
Pressão crescente da Casa Branca
Enquanto isso, Trump segue aumentando a pressão. Na terça-feira (15), ele usou as redes sociais para sugerir que Harvard poderia perder seu status de isenção fiscal caso continuasse promovendo “ideologias políticas” e apoiando “doenças inspiradas por terroristas”.
Além disso, o governo anunciou o congelamento de US$ 2,3 bilhões (R$ 13,5 bilhões) em recursos destinados à universidade. Trata-se da sétima medida desse tipo adotada contra instituições de elite, como forma de forçar o alinhamento com a agenda federal.
Como consequência, o caso já chegou ao Judiciário. Professores da universidade ingressaram com ações contra as ordens do governo. Espera-se também que Harvard apresente sua própria contestação legal nos próximos dias.
Os principais argumentos do governo Trump
De acordo com a Casa Branca, a universidade estaria violando a legislação de direitos civis, uma condição indispensável para o recebimento de recursos públicos. Além disso, o governo alega que a ideologia predominante no campus sufoca a liberdade intelectual.
Outro argumento central envolve os protestos pró-Palestina que se espalharam pelas universidades americanas. Segundo o governo, Harvard tem tolerado manifestações antissemitas, o que exigiria punições mais severas.
Entre as ordens mais polêmicas estão o fim de programas de diversidade, equidade e inclusão, bem como a suspensão de critérios de admissão baseados em raça, cor ou origem nacional. Essas mudanças atingem diretamente a essência das políticas acadêmicas adotadas por Harvard nas últimas décadas.
Contradições entre os críticos do sistema
Curiosamente, muitos dos assessores do governo que hoje criticam Harvard são ex-alunos de instituições de elite. O próprio Donald Trump se formou na Universidade da Pensilvânia. Seu vice, JD Vance, cursou Direito em Yale. Além disso, dois secretários de gabinete — Pete Hegseth (Defesa) e Robert F. Kennedy (Saúde) — estudaram em Harvard.
Em um ato simbólico transmitido ao vivo, Hegseth rabiscou seu diploma com a frase “devolver ao remetente”, como parte do protesto contra o que chama de “causas esquerdistas” na universidade.
A resposta de Harvard e o apoio público
Por sua vez, Harvard respondeu com firmeza. O presidente da instituição, Alan Garber, declarou que as exigências ultrapassam os limites do poder federal. Em carta à comunidade acadêmica, ele escreveu que nenhum governo — independentemente do partido — tem o direito de determinar o que universidades privadas devem ensinar, quem podem admitir ou contratar, ou quais pesquisas devem desenvolver.
Segundo Garber, impor essas regras não contribui para o avanço do conhecimento, mas representa uma ameaça à liberdade acadêmica. Ele reforçou que Harvard não aceitará imposições ilegais que interfiram em sua missão educacional.
Como resultado, um grupo de ex-alunos enviou cartas aos dirigentes da universidade, pedindo que resistam e recorram legalmente às medidas. Entre os apoiadores da atitude de Harvard está o ex-presidente Barack Obama. Em publicação nas redes sociais, ele classificou a recusa como um gesto importante contra a tentativa do governo de sufocar a liberdade acadêmica. Além disso, ele encorajou outras instituições a seguirem o exemplo.
Dilemas financeiros e possíveis caminhos para Harvard
Apesar de sua força financeira, Harvard enfrenta agora o desafio de operar com acesso limitado a verbas federais. A universidade utiliza cerca de 5% de seu fundo patrimonial anualmente para cobrir despesas operacionais. Isso representa, aproximadamente, um terço de seu orçamento.
Uma das saídas seria aumentar esse percentual de uso do fundo. No entanto, essa medida pode comprometer a sustentabilidade de longo prazo. Vale lembrar que boa parte desse patrimônio está vinculada a doações com destinação específica, o que limita sua utilização.
Diante do impasse, conservadores sugerem que Harvard deveria abrir mão do financiamento público, assim como faz o Hillsdale College, uma escola conservadora de Michigan que se mantém sem dinheiro federal. Em tom de provocação, a instituição publicou: “Deixar de receber dinheiro do contribuinte deveria ser o próximo passo de Harvard.”
Por outro lado, o Clube Republicano de Harvard adotou um tom mais conciliador. Em nota, pediu que a universidade busque um acordo com o governo e “retome os princípios americanos que formaram os grandes homens desta nação”.
Conclusão: liberdade acadêmica em xeque
Em resumo, o conflito entre Trump e Harvard ultrapassa os muros da universidade. Ele reflete um embate profundo sobre o papel do ensino superior, a autonomia acadêmica e os limites da interferência política nas instituições de conhecimento. O desfecho dessa disputa pode influenciar o futuro das universidades não apenas nos Estados Unidos, mas também em todo o mundo.