
Com o voto do ministro Dias Toffoli, o STF (Supremo Tribunal Federal) pode mudar as regras sobre a alienação fiduciária, principal forma de financiamento de veículos no país.
Toffoli considera inconstitucional um trecho do Marco Legal das Garantias, que permite aos Detrans (Departamento Estadual de Trânsito) conduzir esse tipo de processo.
Se o entendimento do Supremo for confirmado, o controle sobre a alienação fiduciária dos veículos sairá dos Detrans e voltará a ser função exclusiva dos cartórios.
Pela alienação fiduciária, o comprador de um bem, como um carro ou imóvel, transfere a propriedade temporariamente ao credor enquanto paga o financiamento; se o pagamento não for feito, o credor pode tomar o bem para quitar a dívida.
Esse processo, porém, costuma ser demorado e caro. Bancos e financeiras relatam que muitas vezes não vale a pena, já que precisam arcar com multas, IPVA e outros débitos atrasados do bem.
Competência
Toffoli é relator do processo. Ao se posicionar, argumentou que o dispositivo em questão do Marco Legal das Garantias cria um sistema paralelo de execução extrajudicial, sem fiscalização do Poder Judiciário.
Segundo ele, os Detrans não têm competência para organizar esse tipo de procedimento, o que deixaria o processo sem controle público suficiente.
O voto foi acompanhado pelo colega Cristiano Zanin. Na sequência, o ministro Gilmar Mendes pediu vista. Com isso, o julgamento — que ocorre no plenário virtual — foi suspenso com o placar em 2×0.
O processo de alienação fiduciária, principal modalidade de financiamento de veículos no país, funciona como um tipo de garantia de crédito em que o devedor transfere uma propriedade, nesse caso um carro, ao credor.
Quando o cidadão não paga, o banco instaura um processo de recuperação judicial para permanecer com o item como forma de garantia.
O temor é de que, a decisão recente proferida no Supremo reduza oferta de crédito no mercado.
“Hoje, no Brasil, existe mais ou menos R$ 400 bilhões em venda de veículos, e só 30% dos veículos do Brasil são financiados, o que é um percentual muito baixo”, explica Renata Herani, CEO da Tecnobank. A fatia de 30% é considerada baixo. Nos Estados Unidos, o percentual chega a 90%.
Responsável por dirigir a empresa de tecnologia que desenvolve plataformas para registro de garantias, uma das credenciadas pelos Detrans, Herani ressalta que o volume de veículos financiados poderia ser triplicado.
“Para os bancos, é fundamental que haja essa concorrência de competência porque isso estimula a qualidade do processo e o menor curso da resolução”, acrescentou a empresária”, acrescentou a empresária.
Impacto no mercado de crédito
Pela lei atual, bancos e instituições financeiras passaram a poder recuperar veículos dados em garantia de forma mais ágil, por meio de um processo extrajudicial que poderia ocorrer tanto em cartórios quanto nos órgãos estaduais de trânsito. A presença dos Detrans foi considerada essencial por trazer concorrência, transparência e menor custo por especialistas que acompanham esse mercado.
Sem a atuação desses departamentos, o setor teme o retorno à lentidão e à burocracia judicial. Em São Paulo, por exemplo, o custo médio da execução extrajudicial em cartórios chega a R$ 1.400, segundo relatos de especialistas à CNN, enquanto pelos Detrans o procedimento seria feito de forma digital, mais barata e com rastreabilidade garantida pelos sistemas estaduais.
Além disso, empresas do setor apontam outro efeito prático negativo para os consumidores: o novo entendimento do Marco Legal das Garantias poderia frear o mercado de financiamentos de veículos.
Em nota, a Associação Nacional dos Detrans (AND) expressou preocupação com o voto de Toffoli. O presidente da entidade, Givaldo Vieira da Silva, destacou que os Detrans exercem funções administrativas auditáveis, com revisões possíveis pelo Judiciário.
Segundo ele, retirar os Detrans do processo enfraqueceria o pacto federativo, aumentaria os custos ao cidadão e concentraria poder em delegações privadas (os cartórios).
A Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento) também defendeu que os Detrans continuem participando do processo, junto aos cartórios e ao Judiciário, para garantir melhores condições de financiamento aos consumidores.