O texto aprovado pelo Congresso prevê que os presos saiam apenas para fazer cursos profissionalizantes ou para cursar o ensino médio ou superior. O estudo deve ser na mesma comarca onde o detento cumpre pena.
Nesses casos, o preso poderá sair todos os dias e durante o tempo necessário para assistir às aulas até terminar o curso. A continuidade desse estudo, no entanto, está condicionada ao bom aproveitamento do detento.
Se ele não tiver um bom desempenho, a medida poderá ser cancelada.
Aprovado por 311 votos favoráveis e 98 contrários, o projeto segue agora para sanção presidencial. Até o momento, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não se manifestou oficialmente se vetará ou aprovará o texto.
O presidente tem 15 dias úteis para tomar sua decisão. Caso isso não ocorra, o projeto volta para o Senado e caberá ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, promulgar a lei pela chamada sanção tácita.
Mas o que muda a partir da aprovação desse novo texto?
Pela lei atual, condenados cumprindo o regime semiaberto podem sair da prisão cinco vezes ao ano por até sete dias corridos para visitar a família, estudar e participar de atividades de ressocialização.
O projeto de lei que restringe a saidinha tramita no Congresso desde 2011 e é de autoria do deputado Pedro Paulo (MDB-RJ). Nesses 13 anos, o texto passou por diversas comissões até ser votado e aprovado em agosto de 2022 na Câmara.
Antes de ir para o Senado, o projeto sofreu alterações e passou a prever a extinção total do benefício. Mas o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) propôs uma emenda, que foi aprovada, e o texto passou a permitir a saída dos detentos para fazerem cursos profissionalizantes ou cursarem o ensino médio ou superior.
O Senador aprovou o novo texto com 62 votos favoráveis, dois contra e uma abstenção. Por terem sido feitas alterações, no entanto, elas precisaram ser apreciadas novamente pelos deputados e, por isso, passou por segunda votação na Câmara.
O novo texto impede que presos condenados por crimes hediondos como homicídio, latrocínio e sequestro, usufruam do benefício. O projeto aprovado no Congresso ainda estende a proibição a condenados por crimes com violência ou grave ameaça.
Vitória da oposição
A pauta é cara à oposição governista, que conseguiu emplacar na relatoria das duas Casas membros do Partido Liberal (PL), sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro. No Senado, o relator é o próprio filho do ex-presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Na Câmara, a função é cumprida por Guilherme Derrite (PL-SP) — que pediu exoneração da Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo para assumir a relatoria, já que é deputado federal licenciado. Derrite é também policial militar.
“[…] Mesmo para aqueles que retornam à prisão, as saídas temporárias são oportunidades de cometer crimes. Isso não é estatística. São pessoas vitimadas por um benefício que passou da hora de acabar”, argumentou na terça (19/3) Derrite, membro do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo, aliado de Bolsonaro, em postagem na rede social X.
Enquanto isso, em fevereiro, 66 organizações da sociedade civil enviaram à Presidência do Senado uma nota técnica defendendo que o texto pode na verdade piorar a segurança pública e trazer mais gastos para os governos.
“É de conhecimento amplo que o aumento das penas e/ou o recrudescimento nas suas formas de cumprimento jamais trouxe como consequência a diminuição das taxas de violência”, diz um trecho da nota.
“Pelo contrário, o aumento das taxas de encarceramento traz como consequência direta o fortalecimento das facções criminosas, que dominam o sistema prisional”, continuam as entidades.
‘Começar de novo’
Em entrevista à BBC News Brasil na segunda-feira (19/3), o autor do projeto de lei, de 2011, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), afirma que o novo texto desvirtua da proposta original.
“Eu não concordo com esse texto. O projeto piorou muito. Acho que a gente vai acabar com a saída temporária que é usada como um mecanismo de ressocialização e de oportunidade para o apenado que vai voltar para casa”, diz o deputado.
Pedro Paulo argumenta que qualquer preso “só não volta para casa se morrer na prisão porque não temos pena de morte”. E argumenta que a saidinha deve ser adotada para que ele volte a viver aos poucos em sociedade.
“A saidinha (tem que ser observada) sob esse aspecto da ressocialização ao ambiente comunitário, à sua família, à sociedade que ele vai conviver quando terminar a pena. Por isso é um erro o projeto do jeito que está”, diz.
O autor original do texto, deputado Pedro Paulo, diz que a intenção dele ao propor o projeto era implantar critérios mais rígidos para permitir as saidinhas, não acabar com o benefício.
Uma das sugestões era a exigência de uso de tornozeleira eletrônica para todos os casos e exames criminológicos para atestar que o detento tem condições de sair.
“A intenção é ter critérios para não ter episódios como o do Rio de Janeiro no qual você coloca em saidinha chefes de organizações criminosas. Ou ainda criminosos potenciais, que é o caso de Minas Gerais, no qual o sujeito saiu e matou um pai de família”, afirma o deputado.
O deputado afirma à reportagem que o Congresso se baseia em números que mostram “uma quantidade ínfima” de crimes cometidos durante as saidinhas para justificar o fim do benefício. Segundo ele, apenas 0,23% das pessoas que não retornaram das saídas temporárias cometem algum delito.
“Esse novo texto está punindo um universo de apenados que têm direito ao benefício. Você está num tsunami de energia conservadora e uma cegueira legislativa. Todo mundo querendo votar com o fígado e sem olhar para os números.”
O advogado Luís Felipe Bretas Marzagão afirma que a extinção da saidinha impede que a ressocialização dos detentos seja feita de maneira progressiva.
“O instrumento da saída temporária funciona como termômetro do comportamento de ressocialização. Ele vai reconquistando a confiança e se readaptando a um comportamento mais compatível com a vida em sociedade”, diz.
Para Luís Marzagão, não há números que demonstrem a necessidade de eliminar a saidinha. Ele cita que menos de 5% dos presos não voltam do benefício em São Paulo.
“Nenhuma pesquisa aponta para uma necessidade de acabar com esse benefício. Esta nova lei vai apenas prejudicar os presos que têm bom comportamento e querem progredir aos poucos”, diz Marzagão.