Artigo

“AI, QUE PREGUIÇA”

By Moacir de Melo

Com o título deste artigo, homenageio o escritor modernista brasileiro, Mário de Andrade (1893-1945) quando, na sua busca por uma identidade do povo de uma nação basicamente descendente de brancos europeus, pretos africanos e índios de todas as tribos e que, até então, só cultuava a cultura europeia.

Nessa busca, o escritor edita em 1928, sua obra mais contundente que chamou de “MACUNAIMA, o herói sem caráter,” cujo personagem é um índio nascido em uma tribo indígena às margens do rio Uraricoera, no fundo da mata virgem, descrito como preto retinto, grande, porém, criança birrenta, preguiçosa e de mente ardilosa, no que, com certeza, nosso escritor, já narrando a cultura do ócio de então, escreveu que nosso personagem, de tanta preguiça, só pronunciou a primeira frase aos seis anos de idade: “AI, QUE PREGUIÇA”.

O nome atribuído ao nosso herói sem caráter de MACUNAIMA, tem origem na língua tupi guarani que significa “o grande mal,” talvez uma condenação prévia do que poderia realizar nosso personagem ao longo de sua jornada, que foi de mal exemplo em todo tempo e que, para se tornar o herói ideal do povo brasileiro, tomou um banho e se tornou branco (lógico, uma certa dose de racismo), além disto, foi apontado como mentiroso e traidor, cheio de malandragens, o que torna a leitura do livro às vezes engraçada, porém, uma verdade pura, tanto no contexto do livro – ano de 1928 -, como ainda nos dias de hoje, 2024,  quando achamos graça da malandragem, coisa muito errada.

Nosso herói era louco por dinheiro. Recém nascido, punha os olhos em dinheiro e “dandava para ganhar vintém.” Quando adulto quis viver às custas do erário público. Para tanto, finge que é pintor para obter uma pensão do governo; sem escrúpulos, foi até o Rio Negro para deixar sua consciência e não a encontrou mais; fica feliz quando se torna branco, louro de olhos azuis; belicoso, consegue e carrega uma garrucha por toda a vida; vai para a cidade grande, São Paulo, e toma uma choque cultural que não consegue entender; mulherengo, namora (brinca) com todas as mulheres da tribo, inclusive parentes.

Evidente que nosso herói sem caráter, não poderia ter um fim salutar. Perdeu seu grande amor (CI), sua família (filho) e seu império com a extinção da sua tribo. Ao final, desiludido e depressivo atira-se na água, sendo devorado pela sereia amazônica. Aconselho uma leitura da obra, podendo começar assistindo o filme disponível na NETFLIX, em que nosso artista Grande Otelo (1915-1993) é o personagem principal inicial. Vale a pena conhecer nossa cultura ancestral. O livro nos leva a isto.

Mas o que nos leva a fazer esta análise de forma simplista para nosso contexto atual, 96 anos após a edição do livro MACUNAIMA? Afirmo: minhas tristezas com o que vejo, escuto, assisto, presencio em nossa nação brasileira no momento atual, cheia de macunaimas.

– Sim, como não entristecer quando pessoas sadias, bonitas, fortes, bem vestidas, em idade produtiva ideal, podendo fazer o crescimento da nação brasileira, optam pela ajuda governamental de R$ 600,00 mensais, e, com isto, não se preocupam com seu futuro, o de sua família e da nação, fazendo pequenos bicos aqui, ali e alhures? Ai, que preguiça!

– Sim, como não entristecer quando pessoas, agora mais de 16 milhões, tornam-se empresários fictícios ao registrar uma MEI, que o levará a uma renda pequena e uma aposentadoria de um salário mínimo no futuro e, a seguir, contentam-se com o pouco que podem gerar como empresários e desistem de trabalhar e fazer carreira em empresas por mais inovadoras que sejam?  Com isto, desistem de procurar emprego e satisfazem o governo concorrendo para melhorar a estatística da baixa taxa de desemprego. Ai, que preguiça!

– Sim, como MACUNAIMA, hoje a maioria do povo desta nação quer ser empregado público, porquanto lá o salário médio é até 80% maior que na iniciativa privada, onde com a oneração da folha em mais de 25%, a burocracia, a legislação trabalhista bruta que nada perdoa e, por isto, dificulta nossa competitividade industrial, impossibilita pagar maiores salários aos empregados e este fato gera a maior das desigualdades na nação brasileira. No dizer do escritor: “No Brasil falta saúde e sobram saúvas”. Ai, que preguiça!

– Sim, e o que dizer dos nossos nem nem, em torno de 11 milhões de jovens de 14 a 29 anos que não querem estudar nem trabalhar? Qual será o futuro desta nação de jovens? Ajudas governamentais, MEIS, alguns privilegiados com empregos públicos? E quem irá sustentar nossos idosos dos anos 40 e 50, quando, já nos dias de hoje, temos apenas 3 trabalhando e gerando receita previdenciária para cada aposentado, sendo que o ideal seria no mínimo 7? O que vem por ai? Quem viver, verá: pobreza geral. Ai, que preguiça!

– Mário de Andrade, preocupado com nossa identidade há quase 100 anos atrás, se aqui estivesse, poderia reescrever sua obra prima MACUNAIMA, já com visão aprimorada. Afinal, pouca coisa ou quase nada mudou. Nossos muitos macunaimas, encrustados no poder, não desgrudam nunca, pelo contrário, continuam muito contentes, firmes, calados e satisfeitos com seus status quo, enquanto uma parte da nação segue em frente sem nenhuma perspectiva de futuro. Poderão ser devorados como foi nosso herói. É só esperar para ver.  Uma lástima!

Mário de Andrade (Foto:  (Keiju Kobayashi/Reprodução)
Parabéns, escritor modernista Mário de Andrade. Sua obra continua viva como sempre!

 

 

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