O trecho entre as pontes Marie e Sully, no coração histórico de Paris, serviu de cenário para um dia atípico na última quarta. Policiamento reforçado, rua isolada, centenas de curiosos e 150 jornalistas de todo o mundo. Tudo isso para ver a prefeita Anne Hidalgo, outras autoridades e nadadores da federação francesa de triatlo entrarem no Rio Sena, que receberá as competições de maratona aquática e do próprio triatlo, além da cerimônia de abertura dos Jogos. Um mergulho simples que poderia ser banal em diversos locais do mundo. Mas não ali.
No último sábado, a Ministra do Esporte do país Amélie Oudéa-Castera já havia feito o mesmo ao lado do triatleta paralímpico Alexis Hanquinquant. E ainda há expectativa (e cobrança) para que o presidente Emmanuel Macron também entre naquelas águas. Mas, afinal, por que o mergulho de autoridades no Sena se tornou tão importante?
A despoluição daquele que é um dos símbolos de Paris foi anunciada como grande legado dos Jogos para a população durante a candidatura e após a escolha da cidade como sede. Algo semelhante à tentativa do Rio de Janeiro de limpar a Baía de Guanabara para a Olimpíada de 2016 — meta não atingida. O objetivo sempre foi tratado com desconfiança pelos franceses, que se mantêm céticos em relação à promessa de liberar o Sena para toda a população no verão de 2025.
A poluição do rio francês é centenária. Desde 1923 é oficialmente proibido mergulhar nele. Uma brigada fluvial patrulha constantemente as águas para evitar que a medida seja desrespeitada. No início dos anos 1960, cientistas chegaram a considerá-lo quase biologicamente morto, com apenas três espécies de peixes ainda encontradas. Para duas — ou até três — gerações, o Sena sempre foi sinônimo de um lugar impensável para banho.
— Sem os Jogos, nós não teríamos conseguido. Imaginem daqui um ano, um local para se banhar aqui, uma piscina, com todos que poderão vir nadar. Os Jogos foram o motor, o acelerador. Mas nós fazemos porque precisamos adaptar nossas cidades às mudanças climáticas — disse a prefeita.
O mergulho de Hidalgo fez os franceses lembrarem do compromisso não honrado de Jacques Chirac. Em 1990, o então prefeito de Paris — e que se tornaria presidente cinco anos depois — prometeu entrar no Sena despoluído diante de testemunhas, o que nunca chegou a acontecer.
O investimento total no projeto de despoluição foi de 1,4 bilhão de euros (R$8,33 bilhões). A principal aposta foi a construção da bacia de Austerlitz, um tanque com 50 metros de diâmetro e mais de 30 metros de profundidade sustentado por vinte pilares que lhe conferem um aspecto de catedral subterrânea. Possui capacidade para armazenar até 50 mil m³ — o equivalente a 20 piscinas olímpicas — de água de chuva para evitar que o sistema e esgoto da capital sobrecarregue e leve resíduos para o Sena.
Só que, mesmo depois da inauguração do mega tanque, em maio, os níveis de poluição não baixaram. Mais uma vez, as chuvas estavam muito acima da média. O próprio banho de Hidalgo chegou a ser adiado duas vezes.
Somente nas últimas semanas, com a queda nos índices pluviométricos, é que finalmente o Sena começou a ter condições de balneabilidade. Ainda, nos últimos dois dias, funcionários da prefeitura intensificaram a limpeza da água e chegaram a retirar duas bicicletas e um patinete.
A previsão é de que o nível de poluição permaneça baixo até os Jogos. Mas a organização de Paris-2024 conta com dois planos B. O primeiro é adiar em alguns dias as provas previstas para o local. Outra opção, mais drástica, é transferir a maratona aquática para o Estádio Náutico de Vaires-sur-Marne, onde serão realizadas as disputas do remo e da canoagem. Já o triatlo seria transformado em duatlo, contando apenas com ciclismo e corrida. O regulamento prevê esta possibilidade.