Uma Lista Vermelha das quase 5 mil espécies de árvores que ocorrem na Mata Atlântica foi apresentada em um estudo publicado na revista Science e divulgado nesta quinta-feira (11). Ao todo, 13 espécies endêmicas (aquelas que ocorrem apenas nesse bioma e em nenhum outro lugar do mundo) foram classificadas como possivelmente extintas, e projeções da pesquisa sugerem que até metade da diversidade de árvores do planeta pode estar sob ameaça devido ao desmatamento.
“A maioria das espécies de árvores da Mata Atlântica foi classificada em alguma das categorias de ameaça da União Internacional de Proteção da Natureza (IUCN). Isso era esperado, pois a Mata Atlântica perdeu a maior parte de suas florestas e, com elas, as suas árvores”, afirma Renato Lima, professor do Departamento de Ciências Biológicas do campus Piracicaba (ESALQ) da Universidade de São Paulo (USP), em comunicado à imprensa.
O especialista liderou o estudo, que foi financiado pela União Europeia e é resultado de uma parceria de pesquisadores do Brasil, França e Países Baixos. Apesar de apontar que as descobertas eram esperadas, Lima admitiu que sua equipe ficou assustada ao notar que 82% das mais de 2 mil espécies exclusivas desse hotspot global de biodiversidade estão ameaçadas. “O quadro geral é muito preocupante”, ele diz.
Espécies como o pau-brasil, araucária, palmito-juçara, jequitibá-rosa, jacarandá-da-bahia, braúna, cabreúva, canela-sassafrás, imbuia, angico e peroba estão entre as árvores ameaçadas de extinção. A pesquisa utilizou mais de 3 milhões de registros de herbários e de inventários florestais, bem como informações sobre a biologia, ecologia e usos das espécies de árvores, palmeiras e samambaiaçus.
As espécies endêmicas foram classificadas de acordo com categorias de ameaça da IUCN: 52% estão em perigo; 11% estão criticamente em perigo; 19% estão na categoria “vulnerável”; 17% em “menos preocupante” e 1% aparecem como quase ameaçadas.
A pesquisa não se limitou à Mata Atlântica: os autores também fizeram projeções sobre o tamanho do impacto da perda de florestas sobre as espécies de árvores em escala global. Eles indicam que entre 35% e 50% das espécies podem estar ameaçadas apenas devido ao desmatamento.
Também foram propostos um fluxo metodológico e ferramentas para implementar a avaliação do grau de ameaça de espécies em larga escala. Com isso, é possível avaliar o risco para milhares de tipos de plantas simultaneamente. “Isso também permite aplicar a mesma abordagem para outras regiões do mundo ou até outras formas de vida, como orquídeas ou bromélias, por exemplo”, apontou Gilles Dauby, coautor do estudo e especialista do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento, na França.
Para construir a lista, a equipe se baseou em diferentes critérios da IUCN. Segundo Lima, se ele e seus colegas tivessem levado em conta menos parâmetros nas avaliações de riscos de extinção – o que tem sido feito em outras análises –, a pesquisa teria detectado seis vezes menos espécies ameaçadas. “Em especial, o uso de critérios que incorporam os impactos do desmatamento aumenta drasticamente o nosso entendimento sobre o grau de ameaça das espécies da Mata Atlântica, que é bem maior do que pensávamos anteriormente”, ele disse.
A maior parte das avaliações de risco de extinção disponíveis na IUCN atualmente se baseia apenas na distribuição geográfica das espécies, o chamado “critério B”. Mas a redução do número de árvores adultas causada pelo desmatamento, algo investigado pelo “critério A”, é o principal motivo para a ameaça das espécies. Assim, combinar vários fatores da IUCN para a análise pode evitar subestimar os riscos.
A abordagem do estudo será utilizada de forma sistematizada em 2024 para avaliar o grau de ameaça das cerca de 12 mil espécies de plantas que ocorrem somente no Brasil e que ainda não tiveram esse risco avaliado oficialmente. É o que apontam Marinez Siqueira e Eduardo Fernandez, do Centro Nacional de Conservação da Flora, órgão do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro que é responsável pela elaboração da a Lista Vermelha Oficial da Flora do Brasil.
“Isso será um ganho em escala sem precedentes para avaliar a megadiversa flora do Brasil, em um período de tempo muito mais compatível com as necessidades urgentes de políticas públicas e planos de ação para protegê-las”, avaliam.
Segundo os pesquisadores, também é importante observar que o estudo levou em conta somente o desmatamento passado, sem considerar as ameaças futuras. Os efeitos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade é uma das preocupações.
Por isso, mais do que nunca, são essenciais medidas como a proteção das espécies em jardins botânicos e bancos de germoplasma, além dos Planos de Ação Nacionais (PANs), que promovem políticas públicas de conservação e recuperação de espécies com risco iminente de desaparecer.
André de Gasper, professor da FURB e coautor do estudo, também destaca a restauração florestal em áreas abertas ou em fragmentos degradados como saída para reverter as perdas de espécies de árvores na Mata Atlântica. “[Esses projetos] podem selecionar preferencialmente as espécies regionais mais ameaçadas da Mata Atlântica, visando estimular a produção de sementes e mudas destas espécies e a recuperação das suas populações de árvores na natureza”, reflete.