Meio Ambiente

O plano ‘maluco’ para salvar o gelo marinho do Ártico

“Temos que reduzir as emissões, mas mesmo que o façamos o mais rapidamente possível, o Ártico ainda vai derreter.”

À medida que o gelo marinho desaparece, a superfície escura do oceano pode absorver mais energia do Sol, o que por consequência acelera ainda mais o aquecimento. Portanto, os pesquisadores querem engrossá-lo para impedir que derreta.

Trata-se de uma das mais malucas áreas de pesquisa da geoengenharia: intervir deliberadamente no sistema climático da Terra para tentar neutralizar os danos causados pela ação humana.

Geoengenharia engloba esforços mais consolidados para reter os gases que aquecem o planeta, como plantar mais árvores e enterrar carbono no subsolo.

Mas medidas experimentais pretendem ir um passo além, buscando reduzir a energia absorvida pela Terra.

Muitos cientistas se opõem fortemente ao método, alertando que tais tentativas desviam a atenção da medida mais necessária, que é a redução das emissões de carbono, e podem causar mais danos do que benefícios.

Mas um pequeno número de defensores afirma que a abordagem poderia ajudar o planeta.

O objetivo final da experiência no Ártico é engrossar o gelo marinho o suficiente para abrandar ou mesmo reverter o derretimento já observado, diz o Dr. Shaun Fitzgerald, cuja equipe do Centro de Reparação Climática da Universidade de Cambridge está por trás do projeto.

Funcionará ou será, como disse um cientista, “bastante maluco”?

“Na verdade, não sabemos o suficiente para determinar se esta é uma boa ou má ideia”, admite Fitzgerald.

Os pesquisadores têm enfrentado condições adversas em Cambridge Bay, uma pequena vila canadense no Círculo Polar Ártico.

“Está muito frio”, diz Andrea Ceccolini, da Real Ice, empresa britânica que lidera a viagem. Ela concedeu entrevista à BBC por Zoom, com uma conexão irregular de dentro de uma tenda branca.

“É cerca de -30ºC com vento forte, o que leva a sensação térmica para -45ºC.”

Eles estão abrindo um buraco que se forma naturalmente no inverno no gelo marinho e bombeando cerca de 1.000 litros de água do mar por minuto pela superfície.

Exposta ao ar frio do inverno, a água do mar congela rapidamente, ajudando a engrossar o gelo na superfície. A água também compacta a neve.

Como a neve fresca atua como uma boa camada isolante, agora o gelo também pode se formar mais facilmente na parte inferior em contato com o oceano.

“A ideia é que quanto mais espesso for o gelo [no final do inverno], mais tempo ele sobreviverá quando entrarmos na estação do degelo”, explica Ceccolini.

Quando concederam a entrevista no final da viagem, eles já haviam visto o gelo engrossar algumas dezenas de centímetros em toda a sua pequena área de estudo. O gelo será monitorado pelos moradores locais nos próximos meses.

Mas ainda é cedo demais para dizer se a sua abordagem pode realmente fazer a diferença no rápido declínio do gelo marinho do Ártico.

“A grande maioria dos cientistas polares pensa que isto nunca vai funcionar”, adverte Martin Siegert, um experiente glaciologista da Universidade de Exeter, que não está envolvido no projeto.

Um problema é que o gelo mais salgado pode derreter mais rapidamente no verão.

E há ainda o enorme desafio logístico de ampliar o projeto até um nível significativo – uma estimativa sugere que seriam necessárias cerca de 10 milhões de bombas movidas a energia eólica para engrossar o gelo marinho em apenas um décimo do Ártico.

“Na minha opinião, é uma loucura que isto possa ser feito em escala para todo o Oceano Ártico”, diz Julienne Stroeve, professora de observação polar e modelação na University College London.

Algumas das sugestões experimentais da geoengenharia incluem tentar tornar as nuvens mais refletivas ao gerar mais pulverização marítima e imitar erupções vulcânicas para refletir mais energia do Sol de volta ao espaço.

Vários cientistas – incluindo os órgãos climáticos e meteorológicos da ONU – alertaram que estas abordagens podem representar riscos graves, incluindo a perturbação dos padrões climáticos globais. Muitos pesquisadores querem vê-los totalmente banidos.

“As tecnologias de geoengenharia trazem enormes incertezas e criam novos riscos para os ecossistemas e as pessoas”, explica Lili Fuhr, diretora do Programa de Economia Fóssil do Centro de Direito Ambiental Internacional.

“O Ártico é essencial para sustentar os nossos sistemas planetários: bombear água do mar para o gelo marinho em grande escala pode alterar a química dos oceanos e ameaçar a frágil teia da vida.”

E há uma preocupação mais fundamental e generalizada com este tipo de projetos.

“O perigo real é que proporciona uma distração, e as pessoas com interesses adquiridos usarão isso como desculpa para continuarem a queimar combustíveis fósseis”, adverte o professor Siegert.

“Francamente, é uma loucura e precisa de ser travado. A forma de resolver esta crise é descarbonizar: é o nosso melhor e único caminho a seguir.”

Os investigadores do Ártico estão perfeitamente conscientes destas preocupações. Eles enfatizam que estão simplesmente testando a tecnologia e que não a divulgariam de forma mais ampla até que os riscos fossem melhor conhecidos.

“Não estamos aqui promovendo isto como a solução para as alterações climáticas no Ártico”, sublinha Fitzgerald.

“Estamos dizendo que poderia ser [parte disso], mas precisamos descobrir muito mais antes que a sociedade possa decidir se é uma coisa sensata ou não”.

Os pesquisadores concordam que a geoengenharia não é uma solução mágica para combater as alterações climáticas e que cortes drásticos nos combustíveis fósseis e nas emissões de carbono são muito importantes para evitar as piores consequências do aquecimento.

Mas salientam que mesmo com uma ação rápida, o mundo ainda enfrenta um futuro difícil.

É provável que o Oceano Ártico esteja efetivamente livre de gelo marinho até o final do verão ao menos uma vez até 2050, e possivelmente até antes.

“Precisamos de outras soluções”, argumenta o estudante de doutorado Jacob Pantling, pesquisador do Centro de Reparação Climática que enfrentou os ventos gelados na Baía de Cambridge.

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